FAZENDA SOLEDADE
LIALA
Meados
de 1945;
Lídia, moça da
cidade, terminava seu curso ginasial e iria cursar o Magistério, queria ser
professora primária, sua paixão desde pequena, ensinar crianças a ler e
escrever. Quando menina, no quintal de sua casa montava uma escolinha com
caixotes, cadeirinhas, banquinhos e uma lousa. Porém não abria mão de uma
condição; ser sempre ela a professora. As amiguinhas do bairro gostavam dessa
brincadeira, passavam horas e horas desenhando, fazendo continhas e rabiscando
a lousa com gizes coloridos que o pai de Lídia, Sr. Mário, não deixava faltar.
De longe, olhava a
filha naquele mister tão digno e gratificante. Sorria e se sentia orgulhoso de
ver como a garota tinha jeito e se fazia obedecer.
A filha mais nova,
Luíza, era tão diferente, não sabia o que queria ser, então se colocava sempre
como aluna.
Frequentando a escola
com afinco, Lídia fez o Curso Normal e conseguiu seu diploma de Professora.
Naquela época era um orgulho ter um diploma de professora, se distinguia das
demais profissões. Agora teria de procurar emprego e aplicar tudo o que havia
aprendido. Informou-se e inscreveu-se nos diversos Institutos de Ensino,
particulares e do Estado, até que um dia foi solicitada pelo Estado a escolher um
lugar para lecionar. Que decepção, as vagas encontravam-se todas distantes, em
cidades do interior de São Paulo; Fazendas, Sítios ou lugarejos longínquos, que
ela nunca tinha ouvido falar. O prazo era curto e tinha que resolver antes de
perder a vaga. Aconselhou-se com os pais e decidiu escolher uma Fazenda do
interior, há 300 quilômetros da Capital. Fazenda Soledade, de propriedade dos “Camargo”,
terras imensas, alqueires e alqueires de café, algodão e cereais. Ali com
certeza teria muitos alunos a se dedicar. Com este pensamento começou a se
animar.
Foi com os pais, Sr.
Mário e Dona Anita até a Fazenda para os primeiros acertamentos, e lá se
sentiram muito a vontade com o Sr. Luiz e dona Rosa Camargo, família distinta e
bem educada, além de achar o lugar aprazível e confortável. Foram conhecer uma
parte da Fazenda, percorreram de carro muitos quilômetros, quase até a divisa
onde o Sr. Camargo com aquele ar bonachão que lhe era peculiar se orgulhava de
possuir uma propriedade de alto valor e grande produção.
A família Camargo era
composta de pai, mãe, e três filhos homens.
Ficou acertado que
Lídia ocuparia uma pequena dependência, quarto, sala e banho ao lado da casa
grande, e tomaria as refeições junto à família.
Os alunos seriam uma
média de trinta, quase todos os filhos de peões que ali residiam e mais alguns
vindos de sítios da redondeza. Receberia seu salário mensal, livre de qualquer
despeza. Estavam todos de acordo e satisfeitos quando se despediram. Na viagem
de volta Lídia e seus pais comentavam a ótima impressão que tiveram da Fazenda
Soledade.
O fim do ano se
aproximava e Ano-Novo traria Lídia o tão desejado emprego e uma certa
independência, pois já estava com 23 anos. Janeiro chegou ao fim e logo
começariam as aulas. Começou preparar suas roupas e objetos pessoais que
deveria levar consigo. Separou muito material didático, vários livros de
autores nacionais e estrangeiros e por fim, não podia esquecer seu pequeno
rádio portátil que, sem dúvida, lhe faria muita companhia.
Chegou o dia da
partida, os conselhos não faltaram todo o tempo no caminho de sua casa até o
ônibus que a levaria ao seu destino. Chegando à cidade próxima à fazenda, tomou
um táxi e seguiu para a casa dos Camargo, onde foi recebida com cordialidade
pelo casal. Acompanhada em suas acomodações, tratou logo de ajeitar suas roupas
e seu material nos devidos lugares.
O quarto estava em
ordem, uma cama confortável, um pequeno guarda-roupa, penteadeira com espelho e
uma mesa com cadeira, muito úteis para seus deveres de professora. Sobre um
criado-mudo próximo à cama o tic-tac compassado de um despertador, junto a uma
jarrinha e copo para água.
No jantar iria
conhecer o resto da família o que a deixava um tanto receiosa. Quando a empregada
Zefa foi chamá-la para cear já encontrou todos ao redor da mesa que a
aguardavam. Logo lhe foram apresentados, Alfredo 25 anos, agrônomo, Carlos 22
começava o Curso de Direito e Júlio, o caçula, terminava o Colegial. Todos se
levantaram e a cumprimentaram educadamente o que a fez corar até a raiz dos
cabelos.
O jantar foi servido.
Conversam sobre diversos assuntos e o clima ia se tornando familiar. Lídia se
alimentou pouco, discreta como sempre, só desejava mesmo se recolher, estava
cansada com tantas emoções.
Adormeceu
profundamente até o amanhecer quando o sol com seus raios brilhantes entrando
pela veneziana, iluminaram o seu despertar após um rápido banho, sentiu-se
renovada. Os longos cabelos louros ainda úmidos e perfumados lhe emprestavam um
frescor suave e jovial.
Dona Rosa a recebeu
para o café da manhã com um largo sorriso e muita simpatia. A mesa estava
servida com uma variedade de nutrientes como bolo, queijo, geléia e outras
guloseimas. Lídia estava com apetite e se alimentou bem.
Terminada a refeição,
Dona Rosa prontificou-se a acompanhá-la até a escola, local que distava da casa
grande pouco menos de um quilometro. A manhã estava linda e o perfume das
flores pairava suavemente no ar.
A sala de aula era
ampla, com duas grandes janelas que davam para o pátio e este, para o cafezal.
As carteiras seminovas eram confortáveis, uma grande lousa e a mesa da mestra
completava seu lugar de trabalho. Lídia gostou do que viu e expressou seu
agradecimento com sorrisos e elogios.
Junto à escola numa
pequena praça, a Igreja local, assistida pelo padre Bento, muito querido pela
comunidade.
Passou-se uma semana
e as aulas começaram e com elas o confronto direto com os alunos que
freqüentariam as aulas das 08h00min às 12h00min horas. Tudo se encaminhava
conforme seu desejo.
À noite quando se
recolhia, sentia saudades da família, mas suas tarefas eram tantas que
conseguia vencer plenamente essa situação. Uma vez por mês escrevia aos seus
referindo-lhes toda sua vida na fazenda. As respostas não se faziam esperar e
assim o tempo ia passando.
Num fim de semana,
quando se preparava para o jantar, ouviu vozes e sorrisos na casa grande. Lá
chegando viu que se tratava da noiva de Alfredo que residia na cidade com seus
pais; Vânia era rica, linda, Miss Primavera local, estudara em Londres, era um
tanto sofisticada no falar e no vestir. Foram apresentadas, dialogaram pouco e
logo mais o casal se despediu e saíram.
No dia seguinte, Dona
Rosa quis logo contar a Lídia do seu mau relacionamento com a futura nora.
Achava que o casal se gostava, mas não compartilhavam dos mesmos ideais. Vânia
só queria freqüentar altas rodas da cidade, se relacionar somente com a elite.
Alfredo também era culto e inteligente, mas preferia a vida calma da fazenda
onde já administrava como futuro proprietário. Herdara do avô e do pai a paixão
pelo campo, pelos cavalos e tudo mais que o circundava.
Uma vez casado, pretendia
fixar residência na Fazenda Soledade, e este era um dos motivos da desavença
entre o casal. Alfredo pretendia convencer a noiva até o dia do casamento.
Em alguns comentários
com Alfredo a respeito de Lídia, Vânia usou um ar de superioridade para dizer
que a professora era um tanto caipira por ter vindo de uma cidade grande. A
conversa terminou por aí.
As aulas continuavam
proveitosas para aqueles garotos que a respeitavam assim como todos da fazenda
a admiravam cada dia mais.
Quase todas as tardes
Lídia dava um passeio por entre os cafezais, apreciando a paisagem e aquele sol
dourado que ia sumindo aos poucos. Cumprimentava cordialmente a todos que
encontrava pelo caminho. Um belo dia, defrontou-se com Alfredo que vindo ao seu
encontro lhe sorriu um tanto surpreso. Dialogaram sobre diversos assuntos,
inclusive sobre suas vidas particulares. Ele queria saber se ela havia se
acostumado na fazenda ou sentia falta da cidade. Perguntou também se deixara um
namorado à sua espera e como a resposta foi negativa ele também abriu seu
coração contando sobre os freqüentes atritos com Vânia que tinha um gênio forte
e jamais residiria na fazenda.
Num breve “TCHAU”
cada um seguiu seu caminho. Era a primeira vez que conversavam a sós e ao se
falarem francamente uma certa cumplicidade os unia. Parecia que uma grande
barreira havia se dissipado e entre eles se estabelecera um laço de amizade.
À noite em seus
aposentos, aquele diálogo povoava seus pensamentos ininterruptamente, foi
tomada de um leve tremor como uma espécie de pressentimento.
Preparou-se para o
jantar, saiu do banho, vestiu-se, borrifou no colo umas gotas de lavanda e se
encaminhou para o jantar.
Ao se deparar com
Alfredo, os olhares se cruzaram e uma grande simpatia se apoderou dos dois.
Ficou confusa, conversaram até a hora de se retirar.
As festas Juninas se
aproximavam e todos se movimentavam para organizar na praça da Matriz uma
grande quermesse com barracas de doces, salgados, pesca-pesca e demais
diversões. Escolhiam-se jovens para dançar a quadrilha com suas roupas e
músicas tradicionais. Após essa grande festa todos gozariam das férias de
Julho.
Alfredo esperava
Vânia para os festejos, mas na última hora recebeu um recado de que ela não
viria, um compromisso a impedia de comparecer. Desculpava-se, mas Alfredo sabia
que ela era difícil de misturar com aquela gente simples e humilde do campo.
As luzes iluminavam
aquelas barracas animadas pelos jovens e crianças ao som de músicas populares e
melodiosas, era tudo uma grande alegria.
Acabrunhado, Alfredo
percorria a praça quando ao longe avistou Lídia, elegantemente vestida, cabelos
soltos, uma leve maquilagem naquele rosto de ar meigo e doce, chamou a sua
atenção. Ficou na espreita, admirando seus gestos e seu comunicar com as
pessoas. Estava linda, deliciosa. Teve ímpetos de ir ao seu encontro, tocar-lhe
as mãos, mas não o fez. Não tinha esse direito.
Quando as festas
terminaram, que foi um grande sucesso, Lídia viajou para a casa paterna, muito
feliz por rever seus queridos e poder contar todas as novidades de seu dia a
dia.
As férias terminaram
e Lídia voltou para a fazenda que já considerava seu segundo lar. Após os
cumprimentos, encaminhou-se ao seu aposento, iria descansar. Ao abrir a porta
notou logo sobre a mesa um lindo ramo de orquídeas e junto a ele um pequeno cartão.
Aproximou-se e leu “seja benvida”. A letra era de Alfredo, seu coração bateu
descompassado, mas logo a razão se fez valer e começou a ajeitar sua bagagem e
seus pertences.
A noite estava frio,
um vento gélido agitava as folhas das árvores, agasalhou-se e foi ao encontro
da família Camargo. Cumprimentou a todos e reparou o olhar de Alfredo fixo
nela, como querendo adivinhar seu pensamento ou perguntar-lhe algo, mas nada
mais aconteceu.
As aulas começaram e
no primeiro dia os alunos chegaram à maioria trazendo flores, muitas flores
para a professorinha que carinhosamente agradeceu.
A vida na fazenda
transcorria normalmente até que um belo dia ao dar seu passeio habitual, não
muito distante de onde se encontrava. Lídia ouviu vozes alteradas, que percebeu
serem de Alfredo e Vânia. Discutiam
calorasamente assuntos inerentes ao casamento, à vida em comum, mas parecia não
entrarem em acordo. Lídia esgueirou-se atrás de um arbusto, não queria ser
vista e sem querer ouvia tudo o que diziam. Ficou chocada com as palavras rudes
que Vânia dirigia a seu noivo, o desprezava por ser um homem sem maiores
ambições e desejar viver no campo, que ela tanto detestava. De repente, num ato
de raiva arrancou a aliança do dedo e arremessou no matagal, bateu o pé e saiu,
despejando toda sua ira e impropérios contra o pobre rapaz. Subiu em seu carro
e partiu velozmente, levantando nuvens de poeira pela estrada afora.
Alfredo,
cabisbaixo dirigiu-se PARA CASA E LÍDIA PASSADA alguns minutos saiu apressada.
Estava aterrorizada.
À
noite na casa grande comentou-se o acontecido e o rapaz declarou aos familiares
que tinha desfeito o noivado, era sua última decisão. Nada mais o prendia a
Vânia e não pretendia vê-la tão cedo. Como fora cego e não perceber quão fútil
e volúvel era aquela criatura.
O
inverno passara e a primavera se fazia sentir pelo verde dos campos e o florir
dos crisântemos, hortências e do roseiral. O amanhecer era fresco e radioso, os
pássaros em revoada cortavam o azul do céu, homenageando a nova estação.
Autoria: DESCONHECIDA